Entrevista realizada a Pedro Valdez Cardoso a propósito da exposição “This Order”, no Museu de Arte Popular, enquadrada no ciclo de exposições “Projecto Travessa da Ermida no MAP”, organizado por Sérgio Parreira, em dezembro 2014.
Pedro Valdez Cardoso (Lisboa, 1974) é licenciado em Realização Plástica do Espectáculo, pela Escola Superior de Teatro e Cinema, e aprofundou a sua formação no Curso Avançado de Artes Visuais, na Escola de Artes Visuais Maumaus, em Lisboa. A instalação que o artista aqui exibe, “This Order”, recria uma guilhotina de aparência barroca que se apresenta como um móvel de artes decorativas característico da estética do século XVIII. Um misto de sofá e cama. A instalação vai buscar inspiração à célebre frase “The order of today is the disorder of tomorrow”, proferida por Louis Antoine de Sain-Just (1767-1794) – figura emblemática ligada à Revolução Francesa – e explana as relações de poder da sociedade. “Ao contrário do que se passou na Revolução Francesa, em Portugal não rolaram cabeças. Há quem seja da opinião que um dos problemas da Revolução de Abril foi precisamente o seu carácter pacifista”, destaca o Pedro Valdez Cardoso. É com esta ironia acutilante que o artista nos convida a desvendar os layers desta peça.
Por Catarina da Ponte
Pode começar por explicar como surgiu o título e o conceito desta obra?
A peça foi concebida para ser exposta em S. João da Madeira, região conhecida pela indústria do calçado e da chapelaria. Nesse sentido, a minha pesquisa na altura (2008) recaiu sobre os conceitos de superfície e decorativismo e sobre a época da Revolução Francesa, por estar a ler à data textos sobre a vida Madame de Pompadour e de Marie Antoinette. Este tema acabou por se revelar catalisador dos conceitos que me interessava trabalhar, nomeadamente as questões ligadas ao exercício do poder e à sua inevitável fragilidade e mutabilidade. O título da peça “The order” remete da ideia de “precaridade”, expressão atribuída a Saint-Juste, o mais próximo aliado de uma das personalidades mais importantes da Revolução Francesa, Maximilien Robespierre.
O seu trabalho assenta quase sempre nos fundamentos da história ocidental, esta peça fala-nos da Revolução Francesa, fundadora da modernidade histórica e da contemporaneidade social. Como constrói a ponte entre a história e a contemporaneidade?
Não se trata de pensar a História e os seus “factos” como algo cíclico, mas de encontrar aspectos que continuem a ser pertinentes e actuais, e neste ponto é possível, em inúmeros episódios históricos, estabelecer analogias. No caso desta peça não me interessava tanto a Revolução Francesa em si, mas o que ela simboliza em termos da instabilidade inerente às instâncias do poder, e acima de tudo, de como esta “ordem” é também um processo em permanente mudança e reconstrução. Por outro lado, o recorrer a cabeças de macaco e não a cabeças humanas, como seria expectável, acaba por dar à peça uma leitura de carácter ontológico.
A peça esta exposta de maneira distinta do que a sua primeira apresentação há cinco anos. Quais as diferenças e porque optou por esta solução?
Na primeira apresentação, a peça foi exposta com um grupo de 18 desenhos. No MAP estes desenhos não vão estar expostos. Aqui apresento uma pequena colagem, que realizada por mim durante o processo de pesquisa em 2008. Trata-se de uma reprodução de catálogo de uma pintura de Louis XIV, sobre a qual intervenho. Será ainda mostrada uma outra peça de escultura, que embora seja posterior, realizada em 2010, parte das mesmas premissas conceptuais e formais.
Trata-se de um cesto de basquete trabalhado de forma igualmente barroca, que tem no seu interior, em substituição da habitual bola, um crânio humano com uma peruca de época. A exposição apresenta igualmente uma diferença em relação ao nome, que não cita o título da peça central “The order of today is the disorder of tomorrow”, como acontecia em 2008.
Que ligação encontra entre este período e a época deste museu, o Estado Novo?
Mais do que encontrar ligações directas, pareceu-me interessante criar uma leitura entre a peça e as questões que lhe são inerentes, como o debate que se tem gerado em torno do lugar e papel do Museu de Arte Popular (MAP). Interessa-me explorar o facto de o MAP ser um legado do Estado Novo português, de ser um espaço construído com uma finalidade efémera [no âmbito da Exposição do Mundo Português, 1940] e de terminar como museu, conceptualmente o oposto do efémero. Para além de encerrar em si questões relacionadas com a cultura nacional, arte e artesanato, entre outras. Este é exemplo claro de como a história e os seus modelos se canibalizam constantemente.
Como faz a pesquisa para o seu trabalho?
A pesquisa não segue sempre uma metodologia pré-estabelecida. Posso fazê-la de forma consciente porque me interessa determinado tema ou período histórico, e nesse caso realizo uma investigação ao nível de documentos textuais e visuais direcionada. Caso se trate de uma construção processual, a “pesquisa” surge por analogias de conceitos, de ideias e imagens que a dado momento constroem uma equação válida para mim.
Em termos materiais porque optaste pela utilização de materiais como tecido, ou cabeleiras postiças?
A obra foi construída como um objecto móvel de artes decorativas com explicitas referências ao gosto e estética do século XVIII. É uma peça dourada que simula a talha característica do período Barroco. Tem uma estrutura de madeira com elementos decorativos em alto-relevo e um acolchoado em capitonê de tecido de damasco igualmente dourado, bem como diversas passamanarias. Não há no entanto a intenção de criar qualquer efeito de estranheza ao nível dos materiais utilizados.
Se pudesse incorporar elementos do MAP na sua peça, o que adicionaria?
Na verdade, ao expor a peça no MAP já estou a adicionar todos os seus elementos e a estabelecer um diálogo entre a peça e o museu.